POR QUE ENCONTRAREMOS MUITAS DIFICULDADES PARA MUDAR A MATRIZ ENERGÉTICA NO PLANETA?
23/05/2022
A presença das Energias Renováveis no Brasil nos últimos 20 anos deixou de ser apenas uma alternativa complementar para nossa matriz energética: tornou-se uma grande oportunidade para os players deste segmento destacarem as vantagens que a sua expansão propiciará na “guerra” contra o aquecimento do planeta.
Se levarmos o mesmo “afã de sustentabilidade“ para o cotidiano dos cidadãos é possível identificar que hoje estamos seduzidos pela possibilidade da utilização da energia solar nas nossas residências, temos carros propelidos a eletricidade, além de outras tecnologias que nos rotulam como ambientalmente responsáveis. Nada errado ou diferente do que é alardeado pela grande mídia como sendo o melhor caminho a seguir para reduzirmos a utilização de combustíveis fósseis.
Embora possamos considerar que todas estas mudanças realmente poderão ajudar a mitigar ou conter em parte o aumento de temperatura, associado às emissões de CO2 na atmosfera, devemos atentar que estas atitudes poderão trazer à tona uma série de modificações de ordem econômica e exigirão estratégias e vontade política, além de uma substancial substituição de matérias primas.
Quando olhamos mais atentamente para os aspectos econômicos e políticos que cercam este assunto, nos perguntamos o que acontecerá com todos os investimentos destinados à extração e à produção de combustíveis fósseis, considerando que as reservas de carvão mineral em exploração hoje somam cerca 790 bilhões de toneladas, o que permite ainda explorá-las por cerca de 120 anos. No caso do petróleo, as reservas mundiais estimadas (em 2020) mostravam uma vida útil de 40 anos, mas cabe lembrar que, com a prospecção de novas bacias, esta fonte poderá alcançar uma sobrevida de 20 anos, disponibilizando assim o uso dos seus derivados até aproximadamente 2080.
É importante, ainda, destacar que 60% das jazidas de carvão situam-se na China, na Rússia e nos EUA. No caso do petróleo bruto, quase 70 % da produção mundial está concentrada nos EUA, na Arábia Saudita e na Rússia. Aqui cabe uma pergunta: Será que estes países abrirão mão, pelo menos nas próximas duas décadas, dos vultosos lucros oriundos da utilização desses recursos minerais?
Recentemente, uma respeitável jornalista americana, ao comentar o “esforço” do EUA para cumprir o acordo climático global, destacou que o atual governo faz “vistas grossas” aos remendos efetuados em muitas das plantas de beneficiamento de carvão instaladas naquele país. O que mostra que o discurso em políticas ambientais da maior economia do mundo se encontra muito distante da agenda econômica efetivamente praticada.
Quando levamos em conta as questões estratégicas, o cenário para uma efetiva substituição da matriz energética se torna ainda mais preocupante, já que as principais reservas de bens minerais indispensáveis à industrialização dos componentes utilizados na geração e na transmissão de energia, também se encontram nos países mais desenvolvidos do mundo.
Para exemplificarmos esta questão, basta analisarmos rapidamente a demanda de cobre necessária ao atendimento das mudanças na matriz energética, isto é, a demanda das energias de fontes renováveis e das novas tecnologias disponíveis para o dia a dia da humanidade. Sabe-se que, pela sua economicidade, o cobre é o meio condutor mais utilizado na captura, no armazenamento e no transporte de energia. Em 2020, o segmento das energias de fontes renováveis alcançou um consumo de aproximadamente 3% de toda a demanda global deste bem e já existem estimativas que em 2030 poderá alcançar 16%.
Ao analisarmos apenas o crescimento do segmento de veículos elétricos, considerando que para a construção destes são utilizadas cinco vezes mais cobre do que naqueles movidos por combustíveis fósseis ou biocombustíveis, o que torna inevitável que teremos uma demanda bem representativa deste bem mineral, pois segundo relatório da Global Eletric Vehicle Outlook 2021, projeta-se que a comercialização destes veículos alcançará 3 milhões/ano ainda nesta década.
Uma rápida avaliação deste cenário apresenta outra grande preocupação: Qual será o custo ambiental para incrementarmos a produção deste bem mineral nos próximos anos? A resposta é: se não houver um planejamento global, colocaremos em risco a biodiversidade do planeta em função de um substancial, por não dizer crítico, incremento na área e na densidade de processamento de cobre e outros elementos estratégicos (lítio, cobalto, terras raras, etc.). Hoje o número de minas em estágio pré-operacional voltadas à produção de minérios relacionados aos materiais utilizados pelos dispositivos de geração, de transmissão e de armazenamento de energias renováveis, proporcionalmente se encontram num patamar próximo aos 80% quando comparadas com aquelas que já se encontram em operação.
O FMI, ao analisar todas estas questões, aponta, com razão, que existe inevitavelmente um risco inflacionário pela demanda destes bens minerais, pois os modelos integrados de avalição ligados a esta transição de matriz energética não incluem o aumento dos custos de produção dos componentes de geração.
Já que a substituição da atual matriz energética é considerada irreversível, nos restam poucas alternativas para tentar minimizar as questões relacionadas às demandas de minérios estratégicos, já que o abandono da utilização de combustíveis fósseis, ao nosso ver, ainda está muito longe de acontecer.
A aceleração de tecnologias voltadas à reciclagem, em alta escala, de metais e sua possível substituição, o incremento da utilização de hidrogênio como combustível e talvez uma reavaliação criteriosa no ritmo de expansão das energias renováveis, especialmente a fotovoltáica e a eólica, sejam fatores que poderão efetivamente contribuir para a sustentabilidade no planeta.
Fontes:
- Mills. M.P.The Cloud Revolution: How the Convergence of New Technologies Will Unleash the Next Economic Boom and A Roaring 2020s. Encounter Books. 2021.
- A escalada dos preços dos metais pode atrasar a transição energética (imf.org)
- Teck-Resources-Visualizing-Coppers-Role-in-a-Low-Carbon-Economy.pdf
- https://www.theverge.com/2022/2/18/22940826/carbon-capture-tech-wrong-direction-power-plants-industrial-emissions
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