Notícias

Sérgio Ribeiro e Yuri Tisi, especialistas: Waste-to-Energy como destinação adequada dos resíduos sólidos urbanos

08/12/2016

A Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, instituída pela Lei nº 12.305/2010, parece ter trazido avanços para a gestão integrada dos resíduos sólidos urbanos – RSU, ao prever a necessidade de que tais resíduos sejam depositados somente em aterros sanitários, eliminando-se assim os “lixões”. No entanto, trata-se de política em desacordo com as práticas adotadas por muitos países, como ocorre na Comunidade Europeia, através da Diretiva 2008/98/CE.

Todo o texto da nossa política passa longe da redução do impacto ambiental causado pela gestão equivocada dos RSU. Isto fica claro na primeira leitura da lei com seus 15 “objetivos”, que na verdade são apenas consequências do que poderia ser atingido caso a política estivesse correta.

A política europeia, uma das mais avançadas do mundo, busca a redução do lixo depositado em aterros, fonte de grandes danos ambientais, através da reciclagem e do aproveitamento energético “waste-to-energy”, conhecido pela sigla WTE. Infeliz e inexplicavelmente, a nossa política define os aterros como ambientalmente adequados, sem ao menos definir normas ambientais que poderiam reduzir seus impactos, como ocorre com os aterros sanitários regulados pela Diretiva Europeia 1999/31/CE, que estabelece metas de redução de matéria orgânica, obrigatoriedade de captura do metano (poderoso gás de efeito estufa gerado nos aterros), necessidade de tratamento de todo o chorume (liquido gerado nos aterros altamente poluente), manutenção de histórico da composição dos resíduos depositados, monitoramento por 40 anos após o encerramento do aterro e diversas outras exigências que tornam o custo de aterros muito maior do que a transformação energética WTE,  o que, por consequência, desestimula esta política.

Podemos afirmar que nenhum aterro no Brasil seria licenciado na Europa. Basta ver o novo aterro do Rio de Janeiro, em Seropédica, que foi anunciado como um dos mais modernos da América Latina, e só três anos após inaugurado começou a operar com sistema de tratamento de chorume, e mesmo assim com sérios problemas e eficácia duvidosa. Outra aberração é a inexistência de exigência do sistema de captura e uso do biogás, utilizada, em geral, para a obtenção e venda dos créditos de carbono, que podem ser comercializados somente com aval do IPCC. Se não houver determinação legal, como é o caso da nossa política, que torne esta captura obrigatória, essa meta jamais será alcançada.

Tudo isto, somado a enorme dificuldade dos Municípios em pagar pelo custo da operação dos aterros, mesmo em condições longe das ideais, resulta em constantes agressões ao meio ambiente. Neste caso, o Poder Executivo, sem poder pagar o acertado, faz vista grossa na fiscalização.
 
O lixo domiciliar é composto de várias frações que, dependendo do tratamento que é dado a cada uma, é possível uma gestão adequada dos RSU. A parte mais difícil de lidar é a fração orgânica composta por restos de alimentos e resíduos provenientes de podas e jardins. Isto ocorre porque a compostagem e/ou digestão aeróbia requerem a segregação na origem, de modo que o composto produzido possa ser reaproveitado como adubo orgânico. A Diretiva Europeia exclui a utilização de composto produzido a partir de lixo misturado, permitindo sua disposição em aterros apenas do material bio-estabilizado que não irá produzir nenhum dano ambiental. Apesar de várias cidades na Europa adotarem a coleta seletiva dos orgânicos separados na origem e posterior compostagem e/ou digestão anaeróbia, com o aproveitamento energético do metano, a logística envolvida é extremamente cara, necessitando de um elevado aporte de recursos, especialmente nas grandes metrópoles. 

A reciclagem, que também deve ser preferencialmente feita a partir de material segregado na origem, apesar de fortemente estimulada na Europa, apresenta limitações impostas pelo mercado de reciclados, como baixo valor de venda e custos elevados para certos materiais difíceis ou impossíveis de reciclar. As exceções a estas regras são os metais, especialmente o aluminio, alguns plásticos como PET e papel/papelão não contaminados.

O resultado prático do exposto acima é que, apesar do mercado de reciclados ser bastante robusto no Brasil, a maior parte dos RSU vai para aterros e ou lixões. Este lixo pode ser dividido em três componentes principais: orgânicos (contendo aproximadamente 70% de água), materiais combustíveis (plásticos e papéis/papelão que não foram e não serão mais reciclados, tecidos, madeiras, etc..) e inertes (metais, vidros, terra, etc.). Mesmo que antes da disposição em aterros se tente fazer algum tipo de tratamento, o volume de lixo indo para aterros é gigantesco no Brasil.

Portanto, a PNRS deveria ter desestimulado a disposição de lixo em aterros sanitários, através da reciclagem, quando possível, e da geração de energia como é feito em todos os países desenvolvidos, sem exceção, e outros como China e India. Não é possível eliminar ou reduzir significativamente os aterros sem waste-to-energy – WTE, que se bem gerida pode ser viabilizada através da cobrança taxas realistas e incentivos tributários para a venda da energia gerada. Com isso, o país permanece com quase meio século de atraso quanto as políticas públicas de tratamento adequado dos RSU.

Na Alemanha, bem como em outros países, apenas materiais inertes, que não geram impacto ambiental, são depositados em aterros. Desde 2005, inclusive, o envio de resíduos domésticos ou industriais sem tratamento para os aterros é proibido.

Através da geração termoelétrica com incineração dos RSU, mediante filtragem de emissões de gases, é possível o aproveitamento energético, na forma de energia renovável, muito mais eficiente do que a captação de biogás de aterros sanitários, que aproveita apenas 30% do metano e o restante vai para atmosfera, contribuindo para os gases do efeito estufa.

A fração renovável do lixo (restos de alimentos, podas, jardins, madeira, etc.) é em torno de 60% – os plásticos contribuem com cerca de 40% do carbono – o grande ganho, no entanto, é a eliminação do metano que seria emitida pelos orgânicos depositados em aterros. O balanço final de carbono é bastante positivo, muito mais do que apenas pelo aspecto energético, mas sim pelo aspecto ambiental pela eliminação do metano e do chorume, alem das enormes áreas utilizadas pelos aterros, cada vez mais distantes, implicando em mais emissões devido ao transporte do lixo. A presença dos plásticos não recicláveis na incineração é que viabiliza a queima dos orgânicos com geração de energia.

A empresa Foxx Haztec pretende implantar no país a primeira unidade de tratamento térmico de resíduos WTE, no município de Barueri-SP, com potência instalada de 20 MW e capacidade para processar 825 toneladas de lixo por dia.
 
Está em grande evidência em vários países uma nova tecnologia chamada plastic-to-fuel - PTF, geralmente por técnicas de Pirólise, que consiste em aquecimento por fonte externa de determinada fração do lixo, como por exemplo alguns plásticos e borracha de pneu. Este processo, em geral, resulta em matéria prima para a indústria petroquímica, como gás de síntese ou em combustíveis (gasolina, querosene, diesel, etc.), carbon black, este utilizado na pavimentação asfáltica e outros insumos destinados a construção civil.

O Brasil ainda não possui nenhuma destas usinas em operação, mas apenas algumas unidades termoelétricas de captação de biogás de aterros, método de baixo aproveitamento energético e que não elimina os aterros.

A geração WTE destaca-se duplamente na preservação do meio ambiente, através da geração renovável de energia e pela não disposição desses resíduos no solo, objetivando assim evitar a contaminação dos mananciais aquíferos.

Contudo, o principal benefício da WTE é a redução significativa de emissão de gases de efeito estufa na atmosfera – notadamente com a eliminação do metano, considerado vinte e uma vezes mais danoso que o CO2 – objetivo a ser cumprido na 21ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – COP21, em que o Brasil é signatário das metas para conter o aquecimento global, em razão da aprovação do Congresso Nacional e sanção do Presidente da República.

Resíduos pós-reciclagem, que não são tratados termicamente por WTE, deveriam ao menos ser aterrados. Esta tem sido a forma primitiva de lidar com resíduos sólidos pela humanidade e é ainda hoje usada, estima-se, por 80% da população global.  Há dois problemas principais associados com os aterros tradicionais: precipitação de chuva e reações bioquímicas dentro do aterro formam chorume contendo ácidos que, ao escapar para o ambiente, podem contaminar águas superficiais e subterrâneas por muitas décadas; além disso, o biogás gerado por estas reações contém até 55% de metano (CH4) e contribui em estimados 3% com o total de gases de efeito estufa (greenhouse gases ou GHG), os quais, acredita-se, resultam nas mudanças climáticas.

A Nationally Determined Contributions – NDC, que se refere a Contribuição Nacionalmente Determinada para o Brasil, aderente ao acordo de combate ao aquecimento global, estabelece meta de redução de 37% da emissão de gases, até 2025, podendo se estender a 43%, até 2030, tendo como parâmetro aos níveis de emissão verificados em 2005. Tais objetivos serão também alcançados através da transformação energética WTE, sendo de vital importância que as autoridades se sensibilizem e promovam políticas públicas adequadas para a gestão adequada dos RSU.

Ademais, a implantação de usinas WTE no país em nada impactará o trabalho dos catadores de lixo, que serão mantidos nas fases prioritárias de separação do lixo para reciclagem e compostagem, e o restante será recuperado energeticamente, destinando aos aterros apenas as cinzas, de onde serão recuperados os metais ferrosos e não ferrosos, que não puderem ser aproveitadas na fabricação de tijolos e/ou usadas como agregado na construção civil.

Através da implementação de políticas públicas e regulação eficiente e responsável, a geração WTE possui o potencial de contribuir significativamente para a geração de riqueza para o país que, de outra forma, através da atual política pró-aterros do Brasil, traz desperdício de insumos energéticos e danos ambientais irreversíveis para as futuras gerações.

Fonte: Canal Energia